quinta-feira, 12 de junho de 2014

Explicando aos torcedores as críticas que eles recebem pelo fanatismo doentio

Os brasileiros sempre acreditaram na suposta unanimidade do gosto pelo futebol. Foram educados a pensar que as palavras torcedor de futebol e brasileiro fossem sinônimos e que se aparecesse um que assumisse o desprezo pela citada modalidade esportiva, certamente seria doente mental ou bandido.

Veio a internet, único meio de comunicação realmente democrático que existe (já que os outros não passam de meras vozes de seus donos) e mostrou que os brasileiros que preferem passar bem longe do futebol não somente existem, como são muito mais numerosos do que se pensava. Há quem diga que são uma maioria, mas a suposta minoria que curte, além de barulhenta é socialmente influente (bom lembrar que o futebol é visto por muitos como obrigação social).

Mesmo assim, os torcedores estavam tranquilos, pois os não-torcedores representavam uma voz muito baixa para serem ouvidas durante os gritos apavorantes da torcida ensandecida.  Mas em 2013, através do Facebook, essa pequena multidão, cansada de ser ignorada por muitas décadas, começou a lançar postagens criticando o fanatismo do futebol. Os torcedores não esperavam por essa repentina avalanche de críticas a um hábito que eles consideravam uma absoluta honra. Do nada, seu prazer maior e suposto dever cívico começou a ser esculhambado. Eles não entenderam nada.

Esta postagem tem o objetivo de explicar aos torcedores o porque de seu fanatismo ser bastante criticado, inclusive com uma certa dureza. Nada de ofensivo (os que usam isso para ofender também erram), aliás, pois não se está criticando o futebol e seus envolvidos, e sim o fanatismo que coloca essa modalidade esportiva, seus praticantes e admiradores acima de um contexto ao qual eles pertencem. Vamos explicar com detalhes o porque de tantas críticas.

O problema não é o futebol. É a importância dada a ele

Para quem não sabe, todo esporte possui suas copas. E cada esporte possui uma copa para cada variação ou categoria. Mas a do futebol chamado "oficial" é a única que possui tamanha dedicação e divulgação, por fazer os seguidores acreditarem ser um evento cívico. Um erro grave, aliás, se lembrarmos que o futebol não passa de uma simples forma de lazer. Um passatempo para quando não se tem algo importante a fazer. Pelo menos foi isso que passou pela cabeça de quem inventou o futebol. A mídia é que transformou o futebol em dever cívico, graças a um complexo e insistente processo de manipulação ideológica (proselitismo, persuasão).

Os torcedores precisam saber que é de fato ridículo transformar uma mera distração em dever cívico. É uma atitude que lembra muito os hábitos de uma criança pequena que leva muito a sério suas brincadeiras. Nem mesmo sociedades bem menos instruídas educacionalmente do que a nossa consegue agir desta forma, sabendo diferir o lazer futebolístico dos deveres cívicos.

É esse tratamento dado ao futebol que o transforma em algo bastante chato. Os torcedores de futebol deveriam parar para pensar e lembrar que outras modalidades esportivas não sofrem tamanha rejeição de quem não os curte. Não se vê críticas ferozes contra, por exemplo, o vôlei. Mesmo bastante popular, o vôlei ainda não é confundido com dever cívico. Não é excessivamente levado a sério e visto como prioridade como o futebol sempre foi tratado.

E quando o futebol e seus praticantes são duramente criticados, não é com a intenção de ofendê-los, embora alguns comentários até pareçam ofensivos. Na verdade a intenção é desfazer os mitos que goram em torno desse heroísmo falso atribuído aos praticantes de futebol, que são tratados pelos torcedores como se fossem soldados protos para ir a uma guerra que lhes trará a dignidade prometida (e nunca alcançada), Na verdade, esse negócio de futebol-patriotismo é uma brincadeira de faz-de-conta que dá tempero ao usufruto deste prazer lúdico.

Mas não deixa de ser ridículo, pois esse fanatismo mexe com a realidade e incomoda bastante o cotidiano de quem prefere ficar longe desta hipnose coletiva.

- Serviços essenciais param em tempos de copa;
- Vizinhos berram histericamente, a níveis de decibéis que igualam a decolagem de um avião  supersônico;
- Pessoas que não curtem futebol sofrem preconceito e humilhação, além de serem totalmente desamparadas por autoridades e pela mídia que nada fazem para os entreter e confortar;
- Sem falar que amigos e parentes costumam abandonar as pessoas que não curtem futebol, essas que se sentem mais solitárias (e traídas) em épocas de copa.

Essas e outras coisas interferem na realidade de quem prefere estar longe do futebol e além do fanatismo em si também são motivos para que a adoração desmedida ao futebol seja criticada.

O futebol deveria ser tratado como algo banal e não como "orgulho nacional"

O ideal é que o futebol fosse tratado como algo comum. Atualmente é tratado como algo colossal, como se fosse capaz de mudar o mundo (a prática mostrou há muitas décadas que isso é um absurdo).

Embora argumentem que seja uma diversão que deva ser respeitada, os torcedores não a tratam como diversão e sim como uma obrigação cívica e social. Como se o futebol fosse um assunto sério, de segurança nacional. Como se a vitória da "seleção" tivesse a capacidade de tirar o país da miséria. Se com cinco títulos o Brasil continua cada vez pior, então é melhor rever esta falácia de que futebol melhora a vida da população.

A copa de futebol deveria ser tratada como as outras copas, seja de outras modalidades esportivas ou até mesmo de outras categorias do futebol, estas tratadas com maior normalidade, sem a histérica dedicação que a copa de "seleção" oficial de futebol (a do Neymar & CIA) recebe. 

Essa dedicação excessiva que o futebol recebe é que é considerado alienação. Pois alienado não é quem curte futebol e sim quem acha que tem a obrigação de curtir futebol, por representar - para o alienado - um dever cívico que nunca deve ser adiado ou colocado abaixo de outros interesses, na verdade bem mais importantes. Isso sim é que é alienação.

Parafraseando o jornalista Mino Carta, da revista  Carta Capital, "Espero ainda pelo dia em que o futebol deixará de ser importante para os brasileiros". Até porque algo não precisa ser "importante" para ser agradável e apreciado nos momentos saudáveis de lazer. Muito menos a superestimada modalidade esportiva, um símbolo de "orgulho cívico" que não tem dado nenhum orgulho ao país fora de setores dos quais o futebol não pertence.

Quer curtir futebol? Tem todo o direito. Só não tem o direito de pensar que isso é patriotismo. O futebol é inócuo demais para mudar qualquer estilo de vida e trazer orgulho para a nação.

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